quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Carta de uma credora aos deputados

Tenho acompanhado as discussões que acontecem na Câmara dos Deputados a respeito da PEC 351— a "PEC do Calote", nome este bastante apropriado.
Confesso que fico indignada com os argumentos de quem a defende. Dizem que os credores são grandes escritórios de advocacia ou grandes empresas e por isso merecem o calote. É revoltante ouvir tal discurso, pois a realidade revela algo bem diferente: aposentados e viúvas morrendo na fila dos precatórios. Os credores são, em sua maioria cidadãos que trabalharam a vida toda, foram lesados pelo Estado e agora não conseguem ver seus direitos respeitados.

Existem, sim, escritórios de advocacia que se aproveitam do calote do Estado para ganhar dinheiro fácil, mas mais uma vez a responsabilidade é exclusivamente do governo. O cidadão trabalhador (na maioria das vezes já com idade avançada e problemas de saúde ou financeiros), sem esperança de receber o que lhe é devido, acaba caindo neste golpe. No entanto, em vez de sanar o problema, os governantes preferem usar esta prática como justificativa para legitimar sua displicência.

A PEC 351, portanto, oficializa esta maneira vil de enriquecimento por parte de aproveitadores que agem com má fé e, pior, cria condições para o governo agir da mesma forma, o que eu penso ser na verdade o principal objetivo da proposta. Trata-se de tornar legal uma atitude vergonhosa que, mais uma vez, lesa o trabalhador.

Dizer que esta PEC é "melhor do que nada" ou que "pelo menos assim o trabalhador recebe uma pequena parcela da dívida", como afirmaram o deputado José Genuíno e o senador Eduardo Suplicy, é, no mínimo, indecente e desmoralizante para o governo. Um país que não respeita seu Poder Judiciário certamente não terá a confiança de nenhuma outra nação e muito menos de seu povo.

Não temos culpa, senhores deputados, se por incompetência ou interesses escusos, governos anteriores não honraram seus compromissos, deixando os problemas atingirem o patamar que atingiram. Pior está fazendo o governo atual, que há 1 ano não paga sequer um centavo dos precatórios e para enganar trouxas paga OPV.

Como pode nossa justiça ser tão descaradamente desmoralizada? Como pode o governo só pensar em se beneficiar e beneficiar pessoas que só têm como objetivo o ganho de dinheiro fácil?
Fácil, sim, porque praticamente obrigar credores desesperados que esperam por mais de 20 anos para receber o que lhes é de direito a entregar seus créditos em leilões por valor muito abaixo do real significa beneficiar quem não quer trabalhar e pagar corretamente suas dívidas e seus impostos. Dizem que a participação nos leilões não é obrigatória, mas que outra opção resta ao credor, visto que a fila de espera vai andar ainda mais lentamente? A grande maioria dos credores já tem idade avançada e infelizmente muitos não terão tanto tempo para esperar o recebimento.

Vivemos em um país onde se diz que os direitos são iguais para todos. Podemos nós, cidadãos comuns, gastar muito mais do que ganhamos, contrair dívidas e depois de anos dando o calote destinar uma ínfima quantia de nosso salário para pagamento dessas dívidas?
Posso garantir para os senhores que milhões de brasileiros gostariam de poder dar este calote que o Estado nos vem aplicando. E, muitas vezes, não por falta de caráter ou desonestidade, mas por pura falta de condições. Porém, a nós não é garantido este direito. E nem deve ser, porque passaríamos a viver uma anarquia, sem regras, leis ou justiça. Quem trabalha quer e precisa receber o que lhe é de direito.
Quando nós cidadãos comuns temos dívidas, inclusive com o Estado, temos que honrar a qualquer custo, sob pena de ficarmos impedidos de efetuar qualquer outra transação financeira. Não podemos destinar uma ínfima porcentagem de nosso salário para pagamentos de dívidas e usar o restante como nos convier. E acho isso correto, visto que se assim fosse seria muito vantajoso contrair dívidas e não honrar os compromissos, como no caso do governo caso seja aprovada a PEC351.

Sou herdeira de precatório de 1998. Minha mãe faleceu nesta famigerada fila assim como tantas outras colegas de profissão. Sonhou com o recebimento para ter uma melhor qualidade de vida, para poder usufruir do fruto de seus 35 anos de dedicação ao magistério. Infelizmente não conseguiu, mas tenho certeza que gostaria de ver seus filhos usufruirem deste direito.

Este precatório é oriundo de um processo de 1986 que, tendo sido julgado com ganho de causa, foi transformado em precatório em 1998. O Estado teve todas as chances a que tinha direito, entrou com todos os recursos possíveis e ainda assim perdeu! Não é um precatório de pequeno valor, o que indica que minha mãe foi severamente prejudicada, pois não recebia salário de marajá. Era professora primária e, com mais de 50 anos de idade, voltou aos bancos escolares para cursar uma faculdade e assim poder completar 44 aulas semanais.

Acompanhei a dedicação de minha mãe que, mesmo exausta por dar aulas de manhã até à noite, ainda vibrava com o aprendizado de seus alunos. Muitas vezes deu aulas particulares aos sábados para complementar a renda e não perder o único imóvel que possuía, pois era financiado.

Esta PEC 351 é um incentivo ao não pagamento correto do funcionalismo. A cada "erro" na folha de pagamento, o governo ganha no mínimo 20, 30 anos para pagar e ainda ganha as quantias que caberiam àqueles que não entram na justiça para recebê-las. Penso também que é uma ameaça à democracia, já que o governo adquire o direito de fazer o que bem quiser, mudar regras quando lhe convém. A nós, cidadãos, só resta aceitar. Além disso, abre caminho para que muitas outras decisões judiciais sejam questionadas e descumpridas, jogando por terra qualquer resquício de justiça em nosso país.

Hoje sinto vergonha de ser brasileira, de morar em um país onde acordos são feitos não com intuito de proteger os direitos do cidadãos, e sim como forma de beneficiar tão somente o governo e os governantes. E isso é muito claro quando vemos, anualmente, votações pelo aumento de salário dos políticos. Para isso, ironicamente, nunca falta dinheiro e nem quorum.

Quem sabe um dia a maioria da população tenha acesso às informações do que realmente acontece no Congresso... Talvez assim deixemos de votar na ovelha e eleger um lobo.
Assistir às sessões da Câmara tem sido cada dia mais decpcionante. Consegui até entender por que alguns políticos não conseguiram responder ao programa CQC, da rede Bandeirantes, o que são precatórios, o que é o pré-sal e tantos outros assuntos importantes que sobre os quais já haviam votado ou teriam que votar. Como é possível votar no que nem imaginam o que seja e nem mesmo se interessam em saber? Muitos ignoram o assunto de pauta e usam os microfones para os fins mais diversos, como homenagear o povo libanês pelo seu dia, em vez de ouvir a opinião de seus colegas a fim de analisar outros pontos de vista e ao menos tentar ser justo. Homenagens sejam feitas, sim, a todos os povos que merecem o nosso respeito e reverência, mas que sejam feitas nos momentos e nos locais apropriados.
Os microfones da Câmara deveriam ser usados para assuntos de interesse do povo BRASILEIRO, afinal foi para isso que foram eleitos os deputados.

A falta de comprometimento da maioria dos deputados chega às raias do absurdo. Custa nos crer que o “trabalho” (se é que se pode chamar assim) de cada parlamentar custe aos cofres públicos cerca de 50 mil reais por mês!!! O desserviço prestado por estes senhores, que deveriam se envergonhar de suas palavras e atitudes, contribuem — e muito — para o péssimo conceito da classe política no Brasil. Culpa que pode ser dividida em partes iguais entre aqueles que praticam atos ilícitos e outros que, embora honestos, se acomodam e se omitem quando têm poder suficiente para coibir estas atitudes.

Minha mãe foi professora de Educação Moral e Cívica nas décadas de 60 e 70 — ou seja, em plena ditadura militar. Ficávamos em casa, eu e meu irmão menor, aguardando ansiosos a sua chegada. Pelas suas atitudes e posições políticas, sabíamos que sua volta era sempre incerta. Mas apesar de tudo, a cada retorno nossa casa se iluminava com seu sorriso. Seus olhos transpareciam o patriotismo e o orgulho do dever cumprido ao fim de mais um dia de trabalho. Havia ensinado aos seus alunos, aos filhos dos outros, as mesmas lições que, diariamente, ministrava a mim e ao meu irmão.
Hoje, infelizmente, não posso sentir o patriotismo, o orgulho que minha mãe sentia de ser brasileira, sobretudo quando vejo os políticos — alguns contemporâneos dela, que lutaram as mesmas lutas e gritaram os mesmos ideais — tomarem certas atitudes quem não condizem em nada com o seu passado.

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