sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Emenda Constitucional nº 62/2009 -PEC do CALOTE

O Congresso Nacional fez publicar, no último dia 10 de dezembro de 2009, a Emenda Constitucional nº 62, que “Altera o art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios”.Flickr

A presente postagem pretende, após breve contextualização do tema, analisar os principais aspectos da referida Emenda Constitucional que vem, mais uma vez, modificar o regime jurídico de pagamento de débitos estatais decorrentes de sentença judicial, ja analisados por nós, em termos gerais, no artigo “Execução em face da Fazenda Pública”, assim como em nossas aulas de graduação na FDV.

Posto isso, dividiremos esta postagem em três partes. Na primeira, analisaremos as modificações implementadas no artigo 100 da Constituição. Na segunda, a abordagem será centrada no artigo 97 do ADCT, inserido pela Emenda nº 62. Na terceira, buscaremos fazer um balanço crítico e apontar eventuais inconstitucionalidades dos dispositivos comentados.

Antes de abordar a EC 62/09, analisaremos a) aquela que pode ser considerada a primeira “moratória” no pagamento de precatórios, instituída pela Constituição de 1988, e b) a “moratória” instituída em 2000, pela Emenda Constitucional nº 30.

1. A primeira moratória: 1988

A alegação dos governantes públicos acerca da dificuldade no pagamento de débitos oriundos de decisões judiciais não é nova. Já na Constituinte que deu origem à atual Constituição a questão se discutia, o que levou à inclusão, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), do artigo 33, abaixo transcrito:

Art. 33. Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição.

Parágrafo único. Poderão as entidades devedoras, para o cumprimento do disposto neste artigo, emitir, em cada ano, no exato montante do dispêndio, títulos de dívida pública não computáveis para efeito do limite global de endividame

O artigo 33 do ADCT pode ser considerado a primeira “moratória” editada pelo Estado Brasileiro sob a vigência do atual sistema constitucional. Débitos que deveriam ser pagos em uma única parcela foram parcelados em 8 vezes, aplicando-se somente correção monetária, sem a incidência de juros moratórios. Neste sentido, assentou o STF que “Não incidem juros moratórios e compensatórios sobre o parcelamento previsto no art. 33 do ADCT referente ao período posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988″. (RE 235217 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009, DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 EMENT VOL-02368-05 PP-01006)

Não obstante as condições altamente favoráveis, o parcelamento do artigo 33 do ADCT não serviu para cumprir sua suposta finalidade, pois a grande maioria dos Entes Federados permaneceu na mesma situação de antes em relação aos débitos judiciais: inadimplência.

2. A segunda moratória: 2000

Em 2000 foi aprovada uma segunda moratória, desta vez pela aprovação da Emenda Constitucional nº 30, a qual inseriu no ADCT o artigo 78, abaixo reproduzido:

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

§ 1º É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor.

§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

§ 3º O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à época da imissão na posse.

§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação.

Instituía-se, assim, moratória em 10 parcelas, mas desta vez com a incidência de “juros legais”, como forma de “suavizar” o custo político de um novo parcelamento.

A grande diferença prática do parcelamento previsto no artigo 78 para o do artigo 33 do ADCT consistia no fato de que o não pagamento de uma das 10 parcelas concedia ao credor uma série de faculdades que garantiam uma maior efetividade de seu direito subjetivo. Seria possível, diante do inadimplemento, pedir o “sequestro” das contas públicas no valor respectivo ou ainda utilizar o crédito para compensação com tributos da pessoa política devedora.

Como consequência prática, chegou-se a um verdadeiro paradoxo: o Poder Público passou a pagar somente os precatórios parcelados, haja vista que seu não pagamento implicava na sanção representada pelo sequestro das contas públicas. Os demais precatórios, não sujeitos ao parcelamento (inclusive os alimentares!) não eram pagos, pois seu inadimplemento não gerava maiores consequências práticas para o governante.

Esta falta de efetividade dos precatórios se deve, em parte, ao entendimento do STF de que “…o descumprimento voluntário e intencional de decisão judicial transitada em julgado é pressuposto indispensável ao acolhimento do pedido de intervenção federal”. (IF 5050 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-03 PP-00501). Como, no caso de não pagamento de precatórios, o argumento-padrão sempre foi no sentido de queo inadimplemento decorreu de “dificuldades financeiras”, não se caracterizava, para nossa Suprema Corte, o descumprimento “voluntário e intencional” da decisão judicial…
A moratória estabelecida pelo artigo 78 do ADCT chegou a ser questionada no STF pela Confederação Nacional da Indústria, mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade que levou o nº 2356. Todavia, até o presente momento o Supremo nao conseguiu concluir o julgamento do pedido de liminar. Lamentável, já que ao final do ano de 2.010 a norma do artigo 78 do ADCT deixará de vigorar (por ser norma transitória) e, consequentemente, a ADIn será extinta por “perda do objeto”.

Neste contexto é que prepararam mais um ataque à efetividade da Justiça: a Emenda 62.

3. A Emenda Constitucional 62 e o artigo 100 da Constituição

Abaixo teceremos alguns comentários sobre as principais modificações trazidas pela Emenda Constitucional no texto permanente da Constituição.

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.

§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham sessenta anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do § 3º deste artigo, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

§4º Para os fins do § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas.

§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento integral, de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final de exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva.

§ 7º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustar a liquidação regular de precatórios incorrerá em crime de responsabilidade e responderá, também, perante o Conselho Nacional de Justiça.

§ 8º É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo.

§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, dele deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

§ 10 Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos.

§ 11 É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora, a entrega de créditos em precatórios para compra de imóveis públicos do respectivo ente federado.

§ 12 A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, a partir da sua expedição, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.

§ 13 O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário os §§ 2º e 3º.

§ 14 A cessão de precatórios somente produzira efeitos após comunicação através de petição protocolizada ao tribunal de origem e à entidade devedora.

§ 15 Sem prejuízo do disposto neste artigo, lei complementar poderá estabelecer regime especial para pagamento de crédito de precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, dispondo sobre vinculações a receita corrente líquida e forma e prazo de liquidação.

O que muda, na prática:

a) Instituição de direito de precedência para o pagamento de débitos cujos titulares tenham mais de 60 anos de idade ou sejam portadores de doença grave, preferência esta limitada a 3 vezes o valor fixado em lei como sendo “obrigação de pequeno valor”;

b) Estabelecimento de patamar mínimo para que Estados e Municípios fixem suas obrigações de pequeno valor quando editarem lei própria, consistente no valor do maior benefício do regime geral de previdência social;

c) Possibilidade de pedido de sequestro de contas públicas quando o valor necessário ao pagamento do débito não tenha sido previsto na lei orçamentária do ente Público;

d) Criação de uma “compensação antecipada” quando da expedição do precatório, obrigando o Judiciário a abater do valor devido pelo Estado os valores de eventuais débitos do credor para com a Administração Pública, ainda que não inscritos em dívida ativa;

e) Vinculação da atualização monetária aos índices de atualização aplicados à poupança;

f) Autorização para cessão dos créditos de precatórios, desde que a operação seja informada à entidade devedora e ao Judiciário;

g) Delegação a Lei Complementar para fixar regime especial de pagamento de precatórios de Estados, DF e Municípios, podendo para tanto fixar vinculações à receita corrente líquido, assim como forma e prazo de liquidação dos débitos.

http://www.colnago.adv.br/?p=328

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